1. Preâmbulo.
Têm sido cada vez mais crescentes os questionamentos de diversos consumidores acerca dos seus direitos sobre os compromissos de compra e venda celebrados com construtoras e incorporadoras, especialmente em casos de atrasos na entrega de imóvel, cancelamento da avença ou impossibilidade de financiamento do consumidor junto a instituição financeira.
Referidas discussões, cumpre esclarecer, iniciaram-se após o “boom” imobiliário de 2010 cujo pico ocorreu em 2013, pois algumas construtoras, na ânsia de aproveitarem o repentino aumento da demanda, passaram a lançar diversos empreendimentos imobiliários sem o devido planejamento necessário, acarretando no atraso de alguns empreendimentos entregues.
Em razão disso, começaram as discussões acerca da reparação por este atraso e consequentemente na análise dos contratos que não raras vezes eram abusivos em algumas ou várias de suas cláusulas, passando-se a questionar os pagamentos realizados a título de corretagem, taxa SATI, os pagamentos de condomínio antes da entrega das chaves, dentre outros temas.
Contudo, com a crise econômica e política sofrida pelo País em 2015, outras discussões se iniciaram, pois, se antes os consumidores pretendiam a reparação monetária pela não utilização do imóvel (nos casos de atraso) ou pela devolução de valores indevidamente pagos, atualmente, inúmeros tem sido os casos de consumidores que pretendem a rescisão contratual, seja pela mudança no preço dos imóveis como um todo, seja por impossibilidade econômica, o que ocasiona novas discussões jurídicas.
Não que referidas discussões nunca tenham ocorrido, mas, com a discussão indenizatória pelos atrasos e rescisões, referidos temas passaram a ter uma atenção especial perante o Judiciário e, em razão de sua recente problemática, ainda não há uma solução final em algumas discussões, razão pela qual demonstrar-se-á, no presente artigo, o que tem sido decidido e quais os diferentes posicionamentos para cada tema.
No entanto, como os temas são extensos e com muitas variações, iremos tratá-los em três partes, sendo esta primeira parte apenas com relação ao atraso na entrega do imóvel e suas vicissitudes indenizatórias:
2. Atraso do imóvel entregue pela Construtora, prazo mínimo e indenização. Principais posicionamentos
2.1. Cômputo do prazo
Ao adquirir um imóvel novo, normalmente na fase de planta ou durante a construção, as Construtoras ou Incorporadoras apresentam contratos extensos e cheios de disposições contratuais, que, muitas vezes, passam despercebidas pelos consumidores mais comuns.
Isso porque o consumidor tende a focar sua atenção no quadro resumo ou na síntese do contrato, que menciona os dados mais importantes da avença, tais como os prazos de pagamentos, fluxo financeiro, prazos de entrega e dados das partes.
Entretanto, existe uma cláusula denominada de “prazo de tolerância”, que se prevê no contrato a possibilidade da Construtora atrasar a entrega da obra por um período de até 180 (cento e oitenta) dias.
Esse prazo, que normalmente não é visto pelo consumidor, muitas vezes acaba alterando seu planejamento familiar, pois não raros foram os casos de consumidores que tinham casamentos, término de locação, nascimento de filhos e outros fatos civis, organizados de acordo com a previsão de entrega deste imóvel, que se alterou.
Contudo, os Tribunais já convergiram no entendimento de que referida cláusula é válida, pois partem da premissa de que além de ter sua previsão contratual clara e específica, a construção de grandes prédios depende de fatores nem sempre controláveis, como o tempo e a garantia de mão de obra, razão pela qual, se o imóvel for entregue dentro deste prazo, não há qualquer ilicitude, conforme julgados abaixo:
Compra e venda de imóvel Atraso na entrega das obras não verificado Hipótese em que o empreendimento foi entregue dentro do prazo de tolerância de 180 dias previsto no contrato Validade de prazo de tolerância de 180 dias Jurisprudência da 1ª Seção de Direito Privado Sentença mantida Aplicação do art. 252 do RITJESP Recurso improvido.
(TJ-SP. Apelação nº. 0204992-02.2009.8.26.0100. Rel: Luiz Antonio Costa; 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/07/2014; Data de registro: 23/07/2014)
É válida a prorrogação de seis meses do prazo previsto para entrega, independentemente de qualquer justificativa, justamente para suprir quaisquer eventualidades, na previsão inicial, o que é razoável, por se tratar o contrato cuja execução depende de um conjunto de fatores, como financiamento, fornecedores, intempéries, trabalhadores, etc., afastando-se qualquer outra possibilidade de prorrogação, ainda, que sob a alegação de caso fortuito ou força maior, ou entraves burocráticos para a conclusão e entrega do empreendimento, como a obtenção do habite-se, estes perfeitamente previsíveis.
(TJ-SP. Apelação nº. 0005181-28.2013.8.26.0292. Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior; 1ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 20/10/2015; Data de registro: 21/10/2015)
Nesse sentido também tem entendido o Superior Tribunal de Justiça ao considerar válida a cláusula de tolerância para o cômputo dos valores indenizatórios (que serão tratados mais adiante).
Todavia, em muitos casos, os atrasos foram superiores a esse período de tolerância, sendo que as construtoras aduziam a ocorrência do atraso em razão de caso fortuito ou força maior, uma vez que, pelo “boom” imobiliário, não havia mão de obra especializada para o término dos imóveis ou que teria ocorrido uma demora na concessão do habite-se pela Prefeitura, situações essas que afastariam sua responsabilidade civil pelo atraso e, consequentemente, pelos pleitos indenizatórios.
Referidas teses, no entanto, não foram acolhidas, uma vez que, de acordo com os diversos julgados sobre o tema, a ausência de mão de obra ou mesmo a demora na concessão do habite-se fazem parte do risco do negócio, sendo denominados de caso fortuito interno.
Neste sentido, salutares os julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
A Cláusula que prevê período de carência de cento e oitenta dias, porém, não é abusiva, pois concretiza prática comercial corriqueira em razão dos obstáculos e entraves naturais da construção civil, ligados a imprevistos meteorológicos ou de relacionamento com a mão de obra. Esse prazo, porém, já contempla todos os imprevistos, como excesso de chuvas e escassez de mão de obra, não constituindo, estas situações, portanto, justos motivos para o atraso das obras, não afastando o inadimplemento contratual resultante da frustração da expectativa de recebimento do imóvel por parte dos compradores.
(Apelação nº. 1000836-47.2014.8.26.0007. Rel: Fortes Barbosa; 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 26/05/2015; Data de registro: 26/05/2015)
“Quanto ao atraso na entrega do imóvel, cabe decidir se a demora na emissão do Habite-se representava força maior. Nesta medida, força maior é o acontecimento que escapa a toda diligência inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação. No caso, ainda que se admita que os fatos alegados eram imprevisíveis e inevitáveis, isso não exclui a responsabilidade do fornecedor, tendo em vista que tais acontecimentos decorrem do risco da atividade exercida. É reconhecido pela doutrina como fortuito interno”.
(Apelação nº. 9091474-84.2009.8.26.0000. Rel: Luiz Antonio Costa; 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 25/04/2012; Data de registro: 02/05/2012).
Assim, a conclusão que se pode tirar, com relação aos imóveis adquiridos na planta ou em construção é de que, ocorrido o atraso, caso este ultrapasse o período de tolerância previsto em contrato, surge para as construtoras/incorporadoras, o dever indenizatório, que deve ser calculado desde o término do período de tolerância até a data da entrega das chaves.
Isso porque, pretendeu-se, em alguns casos, que esse cômputo fosse contado até a data da obtenção do habite-se, mas essa tese foi novamente rechaçada pela jurisprudência majoritária.
Cumpre observar, no entanto, que, em alguns casos, a entrega das chaves não ocorre em razão de uma demora dos próprios consumidores para a obtenção do financiamento imobiliário, especialmente após a restrição desta concessão perante as instituições financeiras.
Neste caso, como o atraso não decorre de atos praticados pela construtora/incorporadora, tem se entendido que não caberia a indenização, conforme recente julgado abaixo:
COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA (…) Atraso na entrega do bem (…) Imóvel adquirido com financiamento do preço – Demora na assinatura do contrato de financiamento que resultou no atraso da entrega das chaves – Prova documental que demonstrou que alienante, cedente e cessionária contribuíram para a demora na obtenção do financiamento – Culpa concorrente de todas as partes envolvidas na negociação – Descaracterização da responsabilidade civil da ré, daí porque também não há dever de indenizar (…) – Apelo da autora desprovido, acolhido em parte o da ré.
(Relator(a): Galdino Toledo Júnior; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/06/2015; Data de registro: 16/06/2015)
A pergunta que surge neste momento é: sendo devida a indenização, como esta se daria e sobre qual fundamento? Neste ponto, temos uma intensa divergência jurisprudencial, vejamos:
2.2. Indenização pelo atraso. Multa contratual ou Lucros Cessantes?
Como já afirmado acima, diversos foram os casos de atraso superiores ao prazo de tolerância que precisavam ser solucionados, ou seja, se caberia alguma indenização e de que forma esta se daria.
Ocorre que, a maioria dos contratos celebrados não continha qualquer previsão de multas ou delimitação de responsabilidade na ocorrência desses atrasos (multa moratória), mas apenas previa penalidades em caso de inadimplemento pelo comprador.
Assim, no julgamento desse tema, a jurisprudência passou a aplicar essas multas moratórias em caráter invertido, ou seja, como não havia um equilíbrio contratual, vez que as multas eram previstas para apenas um dos lados da relação contratual, entendeu-se que, no caso de atraso, as mesmas previsões deveriam ser aplicadas à construtora/incorporadora.
Neste sentido, tem decidido o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
A inadimplência da construtora está caracterizada, uma vez que a entrega da unidade ocorreu em 21 de dezembro de 2012, com dez meses de atraso. Em razão do atraso, a sentença condenou a apelante ao pagamento de multa de 1% sobre o valor do imóvel para cada mês de inadimplemento. O contrato celebrado, em sua cláusula 4.2, estabelece multa dessa natureza apenas em detrimento dos compradores, justamente a parte vulnerável na relação regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Para que o equilíbrio do contrato seja mantido, deve ser aplicada a multa moratória também quando é configurado atraso da vendedora.
(Apelação nº. 0014517-27.2013.8.26.0625. Rel. Lucila Toledo; 9ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 08/04/2014; Data de registro: 11/04/2014)
Responsabilidade civil contratual. Compra e venda. Bem imóvel. Atraso na entrega do imóvel. (…) Multa contratual. Existência de previsão contratual de aplicação de multa para qualquer infração às cláusulas do contrato, o que abrange a infração à cláusula que estipulou o prazo de entrega do imóvel. Ainda que não houvesse previsão contratual de multa em desfavor da vendedora, o equilíbrio da relação de consumo justifica a inversão da multa em favor do consumidor. Precedentes. Danos morais configurados. Atraso na entrega da obra por período superior a um ano. Recurso dos autores provido e recurso da ré improvido.
(TJ-SP. Apelação nº. 0004199-44.2014.8.26.0400. Rel: Hamid Bdine; 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 25/06/2015; Data de registro: 01/07/2015).
Referido posicionamento já foi aplicado pelo Superior Tribunal de Justiça em caso muito similar, mas no qual se discutia a rescisão do compromisso de compra e venda, conforme abaixo:
Seja por princípios gerais do direito, seja pela principiologia adotada no Código de Defesa do Consumidor, seja, ainda, por comezinho imperativo de equidade, mostra-se abusiva a prática de se estipular penalidade exclusivamente ao consumidor, para a hipótese de mora ou inadimplemento contratual, ficando isento de tal reprimenda o fornecedor – em situações de análogo descumprimento da avença. Assim, prevendo o contrato a incidência de multa moratória para o caso de descumprimento contratual por parte do consumidor, a mesma multa deverá incidir, em reprimenda do fornecedor, caso seja deste a mora ou o inadimplemento. Assim, mantém-se a condenação do fornecedor – construtor de imóveis – em restituir integralmente as parcelas pagas pelo consumidor, acrescidas de multa de 2% (art. 52, § 1º, CDC), abatidos os aluguéis devidos, em vista de ter sido aquele, o fornecedor, quem deu causa à rescisão do contrato de compra e venda de imóvel. (…)
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 955.134/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 29/08/2012)
Entretanto, existe um posicionamento na jurisprudência que não reconhece essa inversão, pois entendem seus adeptos que, ausente a previsão contratual, seria vedado ao Judiciário criar situação não prevista no contrato, o que violaria o princípio do pacta sunt servanda, vejamos:
Compromisso de venda e compra- Indenizatória – Procedência- Indicação referente ao prazo para entrega do bem- Vinculação evidente- Atraso na entrega da obra- Danos configurados- Indenização devida – Inexigibilidade de multa decorrente do atraso na entrega do imóvel, ante a ausência de previsão contratual nesse sentido Sentença mantida – Recursos desprovidos.
(TJ-SP. Apelação nº. 0018594-74.2013.8.26.0562. Rel. Moreira Viegas; 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 13/05/2015; Data de registro: 13/05/2015)
COBRANÇA – Compromisso de compra e venda de imóvel – Demora na entrega da unidade – Prazo certo fixado para conclusão do empreendimento e entrega ao comprador, não observado Multa e juros pelo atraso em favor do comprador Não cabimento, diante ausência de previsão contratual e impossibilidade de aplicação por analogia Ressarcimento de prejuízos que deve ser buscado por outra via – Improcedência da ação – RECURSO NÃO PROVIDO.
(TJ-SP. Apelação nº. 1004156-75.2014.8.26.0114. Relator(a): Elcio Trujillo; Comarca: Campinas; Órgão julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 27/01/2015; Data de registro: 29/01/2015)
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL RECONHECIDO – LOCATIVOS DEVIDOS ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES – FIXAÇÃO BEM REALIZADA – MULTA MORATÓRIA NÃO RECONHECIDA – AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL – PACTA SUNT SERVANDA – HONORÁRIA BEM FIXADA – SUCUMBÊNCIA BEM DIVIDA – SENTENÇA MANTIDA – APELO NÃO PROVIDO.
(TJ-SP. Apelação nº. 1070937-58.2013.8.26.0100. Rel: Giffoni Ferreira; 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 28/10/2014; Data de registro: 30/10/2014)
Para grande parte desses julgados e para quem sustenta essa posição, caberia, no presente caso, a reparação dos compradores a título de lucros cessantes, ou seja, o pagamento dos valores que seriam recebidos pelos compradores caso o imóvel tivesse sido locado (pelo período em que houve atraso).
Isso porque, ainda que o imóvel fosse usado para moradia, essa posição parte do pressuposto de que o imóvel anterior poderia ter sido locado, de modo que o lucro cessante sempre seria devido em razão do prejuízo presumido, conforme julgados abaixo:
COMPROMISSO DE VENDA. Indenização por atraso na entrega do imóvel. Lucros cessantes. Cabimento pelo período de indisponibilidade da coisa. Exigibilidade entre o término do prazo de tolerância e a entrega das chaves. Apelação não provida.
(TJ-SP. Apelação nº. 1000651-70.2014.8.26.0019. Rel.: Guilherme Santini Teodoro; 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 24/03/2015; Data de registro: 24/03/2015)
Venda e compra – Atraso na entrega da obra – Lucros cessantes devidos. Houve atraso na entrega do imóvel e não foi comprovada nenhuma circunstância que justificasse o não cumprimento da obrigação pelas rés, sendo admissível a condenação ao pagamento de indenização em razão da não fruição do bem. Recurso não provido.
(TJ-SP. Apelação nº. 1003846-11.2014.8.26.0004. Rel: Luis Mario Galbetti; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 12/08/2015; Data de registro: 13/08/2015)
Neste sentido, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. A jurisprudência desta Corte Superior já consolidou entendimento que os lucros cessantes são presumíveis na hipótese de descumprimento contratual derivado de atraso de entrega do imóvel. Somente haverá isenção da obrigação de indenizar do promitente vendedor caso configure uma das hipóteses de excludente de responsabilidade, o que não ocorreu na espécie. (…)
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1523955/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 11/12/2015)
Desta forma, fica a dúvida: qual indenização seria devida? O que tem se entendido é que as duas posições são aplicáveis cumulativamente.
Isso porque os fundamentos para cada teoria são diversos, pois, enquanto a primeira reconhece a multa contratual moratória, que é devida pela violação e mora no cumprimento do contrato, a segunda visa ressarcir o comprador daquilo que efetivamente este deixou de receber (lucros cessantes). Vejamos:
Compra e venda – Atraso na entrega do imóvel – Interesse de agir verificado – Legitimidade ativa e passiva – Inexistência de comprovação da excludente de responsabilidade – TAC não isenta as Rés da responsabilidade pelo atraso – Lucros cessantes devidos e que independem de comprovação – Aplicação da multa moratória às Rés, por equidade – Possibilidade de cumulação de multa com os lucros cessantes – Entendimento jurisprudencial – (…) Recurso do Autor parcialmente provido e improvido o da Ré.
(TJ-SP. Apelação nº. 1009303-90.2015.8.26.0100. Rel: Luiz Antonio Costa; 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 13/01/2016; Data de registro: 13/01/2016)
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO. – Atraso na entrega do imóvel. Impossibilidade de considerar-se o “habite-se” como data da entrega do imóvel. – Devida a incidência de multa moratória em desfavor da vendedora, por reciprocidade. Percentual que deve incidir sobre o valor total do contrato. – Lucros cessantes. Presunção pela não utilização do imóvel. Percentual de 0,5% sobre o valor do contrato, atualizado, por mês de atraso. – Possibilidade de cumulação da multa moratória com o lucro cessante (perdas e danos) vez que advêm de fatos diversos. A cominação de uma multa para o caso de mora não interfere com a responsabilidade civil correlata que já deflui naturalmente do próprio sistema. Recurso provido.
(Apelação nº. 1005289-74.2014.8.26.0625. Rel.: Mary Grün; 7ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 10/12/2015; Data de registro: 11/12/2015).
Neste sentido também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. INADIMPLEMENTO PARCIAL. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. MORA. CLÁUSULA PENAL. PERDAS E DANOS. CUMULAÇÃO. POSSIBILIDADE.
1.- A obrigação de indenizar é corolário natural daquele que pratica ato lesivo ao interesse ou direito de outrem. Se a cláusula penal compensatória funciona como pre-fixação das perdas e danos, o mesmo não ocorre com a cláusula penal moratória, que não compensa nem substitui o inadimplemento, apenas pune a mora.
2.- Assim, a cominação contratual de uma multa para o caso de mora não interfere na responsabilidade civil decorrente do retardo no cumprimento da obrigação que já deflui naturalmente do próprio sistema.
3.- O promitente comprador, em caso de atraso na entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora.
4.- Recurso Especial a que se nega provimento.
(REsp 1355554/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 04/02/2013)
Contudo, há diversas decisões que aplicam apenas a primeira ou a segunda posição, por entenderem que, por incidirem sobre o mesmo fato (atraso do imóvel), ocorreria bis in idem, o que é vedado no ordenamento jurídico, conforme alguns julgados abaixo:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Atraso na entrega de imóvel. Sentença de procedência em parte para condenar a ré a pagar à autora 0,5% mensal sobre o valor atualizado dos imóveis, a título de lucros cessantes pela entrega do imóvel a destempo, durante o período da mora. (…)
Lucros cessantes. Possibilidade. Irrelevante se o imóvel foi adquirido para moradia ou locação. Inteligência do art. 402 do CC. Fixação em 0,5% do valor atualizado do imóvel. Adequação. Percentual que melhor se conforma com os limites da indenização. (…) Cláusula penal. Inversão da penalidade contratualmente avençada para o atraso do comprador, em decorrência do atraso da ré na entrega do imóvel. Impossibilidade. Ausência de previsão contratual e legal. Reconhecimento de que sua fixação, em conjunto com os lucros cessantes, representaria dupla remuneração decorrente exclusivamente do atraso na entrega do bem e configuraria “bis in idem”. (…)
(Rel. James Siano; 5ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/02/2016; Data de registro: 04/02/2016).
Compromisso de venda e compra – Ação de indenização por danos materiais e morais – Prazo de tolerância para a entrega das obras válido, contudo, não observado pela ré (…) Lucros cessantes reconhecidos pela privação do uso e fruição do imóvel – Indenização que deve ser fixada em 0,5% sobre o valor do contrato, por mês de atraso, o que reflete o valor locativo do imóvel – Precedentes – Multa contratual que não pode ser exigida cumulativamente com lucros cessantes, por configurar “bis in idem” – (…)
Dá-se provimento em parte aos recursos.
(Rel. Christine Santini; 1ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/02/2016; Data de registro: 03/02/2016)
Certo é que ainda não há uma definição final, pois, embora muitos julgados sejam antagônicos, os seus posicionamentos continuam sendo exarados nos recentes julgados publicados pelos Tribunais, o que notadamente causa insegurança jurídica tanto para os consumidores quanto para as próprias construtoras.
Portanto, o presente artigo visa fomentar a discussão jurídica do tema, de modo a evoluir a interpretação dessas situações, trazendo os diferentes posicionamentos existentes na Jurisprudência.
Na segunda parte deste artigo, trataremos das obrigações acessórias dos contratos de compra e venda, tais como as verbas de corretagem e Taxa SATI, que hoje tem tido grande atenção dos Tribunais, os valores condominiais e a correção do saldo devedor pelo índice INCC – Índice Nacional da Construção Civil, que também geram grande divergência jurisprudencial.
MELES, Bruno Molina. Observações jurisprudenciais nos contratos de compra e venda com a construtora (Parte 1). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4810, 1 set. 2016.